segunda-feira, 27 de abril de 2020

Educação

a poesia é leal:
tantas vezes sem tempo para ela,
ocupada a viver,
e nunca me abandona.

mesmo que não fale dela a ninguém,
não a apresente nos foyers dos teatros, nos cafés,
não lhe dê nome nem espessura ou carinho,
fica ali, à minha espera no branco da página,
e nada pede em troca.

às vezes pergunta,
porque é que me guardas?
talvez por habitar em mim,
ou por outra razão que desconheço,
tem aquela necessidade de chamar a atenção,
como a que me define.
e eu, sabendo como ela gosta
de se sentir importante,
respondo-lhe,
és modesta e só ocupas duas gavetas.
ela parece acatar,
mas duvido que entenda.

pode ser que um dia descubra,
sem que lho diga,
porque é o meu mais fundo segredo,
que não a posso dar ao mundo
porque é tua,
como o corpo e o coração.
e a minha mãe,
que tão bem me educou,
à moda antiga,
ensinou-me que não se pode dar
o que não é nosso.

permanecerá comigo depois?

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