chorei pelo espaço inocupado do meu ser com a pele colada à tua, na treva adocicada do teu quarto de persianas corridas. a consciência enlutava-se-me e o meu espírito despido era uma espécie de cegueira, disputando a inocência com a brancura das paredes e as gargalhadas da tua árida melancolia.
disseste: era de supor que a mão que te acariciava pudesse agredir-te um dia.
e eu disse: às vezes a roupa dói-me tanto como a nudez.
tirei o sorriso que guardava, suspenso na lembrança de uma manhã feliz, e meti-o por baixo das unhas, que cravei nas tuas costas. de súbito, ganhaste o tamanho do mundo e começaste a dançar. eu enxuguei as lágrimas, descolei-me de ti e tornei-me um espectro discreto, para sempre imerso na mais efémera das tuas memórias.
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7 comentários:
A plasticidade das palavras é fantástica na tua escrita, em metamorfose total no inédito da ideia; pudera eu tratá-las de igual modo, ou melhor, enriquecer assim a realidade inteira. Gostava. A sensação de liberdade que transparece para o lado de cá é fabulosa. Senti-la-ás também ao escrevê-las?
Querida Deusaça,
A liberdade também pode ser uma prisão. Porque se transforma a realidade e se fica agarrado ao outro lado do espelho... e depois é deprimente voltar ao mundo real. Felizmente, nele existes tu, aos bocadinhos.
Um beijo, volta sempre.
Sum, acredito que sim... Mas não respondeste: "A sensação de liberdade que transparece para o lado de cá é fabulosa. Senti-la-ás também ao escrevê-las?
"
"Sum", não, claro..."sim"...
Sensação de liberdade, confesso que não. Talvez uma vaga sensação de prazer ao reinventar o sentido das palavras, como se por momentos pudesse vencê-las, ganhar às suas limitações, ludibriá-las para que me mostrem o seu lado culto... De resto, todas as ideias são amarras, mesmo as que parecem mais livres.
"o vómito da luz ergue-se
das palavras ditas em surdina
a seguir vem o sono
e o miraculado entra no voo dos cisnes
o dia cansa-se
na brutalidade com que a voz se atira contra as paredes
abrindo fendas
em toda a extensão das veias e dos tendões
quando desperta com o crepúsculo
o miraculado olha-nos fixamente e sorri
dá-nos uma rosa em forma de estilete - fechamos os olhos
sabendo que este é o maior engano
da eternidade"
a própria eternidade é um engano.
ainda bem que vieste *
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